Samuel Martins - Para o blog Moises Arruda O assédio moral não é um assunto novo. Na realidade, trata-se de um tema tão antigo quanto as próprias relações de trabalho.
Não
há diferenças significativas na ação de assediadores nos universos
público e privado. Porém, em virtude da natureza do serviço público, o
assédio se torna mais grave, pelo fato de que na administração pública
não existe uma relação patronal direta e sim uma hierarquia que deve ser
respeitada.
A relação patronal no serviço público reside no
dever do agente público tratar com respeito, decoro e urbanidade todo e
qualquer cidadão. Este é o verdadeiro “patrão”, que custeia a
remuneração do agente público por meio do paga¬mento de tributos.
Na relação de trabalho, o agente público está
sujeito ao princípio da hierarquia, constituída principalmente para
estabe¬lecer um grau de responsabilização e ordem, objetivando que o
serviço público alcance seu objetivo maior, que é o bem comum.
O que realmente é assédio moral na relação de trabalho?
Resumindo
trata-se, portanto, da exposição do servidor a situações humilhantes e
constrangedoras, recorrentes e prolon¬gadas durante a jornada de
trabalho e no exercício das funções. Essa exposição à tirania é mais
freqüente em relações hierár¬quicas autoritárias, nas quais predominam
condutas negativas, atos desumanos de longa duração, exercidos por um ou
mais chefes contra os subordinados, ocasionando a desestabilização da
vítima com o ambiente de trabalho e a organização.
A vítima é isolada do grupo sem explicação, passando
a ser ridicularizada, inferiorizada e desacreditada diante de seus
colegas. Estes, por medo, vergonha, competitividade ou indi¬vidualismo,
rompem os laços afetivos com a vítima e, muitas vezes, acabam
reproduzindo ações e atos do agressor, instau¬rando um “pacto de
tolerância e de silêncio coletivo”, enquanto a vítima vai se degradando e
se enfraquecendo.
Esta humilhação repetitiva acaba interferindo na
vida do humilhado, gerando sérios distúrbios para a sua saúde física e
mental e podendo evoluir para a própria incapacidade para o trabalho, a
aposentadoria precoce e a morte.
Em síntese o assédio moral é uma perseguição
continu¬ada, cruel, humilhante e covarde desencadeada, normalmente, por
um sujeito perverso, tanto vertical quanto horizontalmente, que
intenciona afastar a vítima do trabalho, mesmo que para isso tenha que
degradar sua saúde.
A Hierarquia no serviço público
Hierarquia
“é o princípio da administração pública que distribui as funções dos
seus órgãos, ordenando e revendo a atu¬ação de seus agentes e ainda
estabelece a relação de subordina¬ção entre os servidores do seu quadro
de pessoal” (Direito Admi¬nistrativo Brasileiro, Hely Lopes Meireles,
pg. 127, ed. 2003).
Portanto, o servidor somente tem a condição de
su¬bordinado em relação ao princípio orientador da hierarquia entre a
instituição e a função, e não porque é agente de me¬nor ou maior
capacidade do que o funcionário numa função acima da sua. A distribuição
dessa hierarquia é questão de organização da Administração Pública e
também modo de operação dos atos e não uma divisão de castas de pessoas
ou funções. Na Administração Pública, o funcionário dos servi¬ços gerais
tem a mesma importância que um chefe de gabi¬nete e, dentro de sua
categoria, é igual hierarquicamente a outros. Suas funções são
diferenciadas apenas por questões de organização, mas sua importância é a
mesma dentro do quadro do funcionalismo.
Desse modo, um chefe de gabinete que comete assédio
contra um funcionário de serviços gerais, por exemplo, deve responder
pelo ato que praticar. É evidente que a responsabili¬dade será sempre da
administração pública, pois responde por lesões morais o órgão que não
coibir atos de assédio moral contra qualquer um de seus agentes. No
entanto, o agente res¬ponderá frente à administração pública em ação
regressiva.
Não se pode admitir um funcionário de grau
hierárquico maior prejudicar toda uma administração, todo um bem
elabo¬rado sistema de controle do trabalho, simplesmente por querer
humilhar seus subordinados.
Conclui-se que a hierarquia não significa superioridade de cargo ou pessoal, e sim de função dentro da organização estatal.
Há como impedir o ato de assédio moral?
Não há uma maneira eficaz de se impedir o assédio moral.
Porém, é essencial que o ato seja punido de maneira exemplar, por meio
da abertura de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) e de processo
por desvio de conduta ética, com a conse¬qüente exoneração do cargo e a
aplicação das demais sanções impostas pelo ordenamento disciplinar e
ético.
É de nosso entendimento que, em conformidade com o
Có¬digo de Ética do Servidor Público, os desvios de conduta ética
en¬volvendo o assédio moral atualmente são melhor tratados junto a ética
pública do que em procedimentos disciplinares, sendo que nada impede
que os dois coexistam. A Ética é uma nova esfera den¬tro do Direito
Administrativo, não concorrendo com a esfera Disci¬plinar, assim como a
esfera Civil não concorre com a esfera Penal.
A Administração Pública tem o compromisso de apurar,
sempre que necessário, qualquer indício de participação de servi¬dor em
atividades que atentem contra a ética no serviço público, devendo
responder prontamente a incidentes que envolvam seus servidores, uma vez
que nem todas as ocorrências apresentam lesividade efetiva à
regularidade do serviço, dano ao erário ou comprometimento real de
princípios que regem a Administração.
O principal objeto do Direito Administrativo
Disciplinar e do Código de Ética do Servidor Público não é
necessariamente punir, mas corrigir os ilícitos e a conduta do servidor.
Tratando o assédio moral na ética PÚBLICA
Como já vimos, o assédio moral é em essência um desvio de conduta ética e deve ser tratado como tal.
Considerando
como balizador o Código de Ética Profis¬sional do Servidor Público
Civil do Poder Executivo Federal, instituído pelo Decreto nº 1.171/1994,
po¬demos definir em quais desvios o assediador se enquadra.
Tomemos como exemplo:
Das vedações ao Servidor Público
f)
permitir que perseguições, simpatias, antipatias, caprichos, paixões ou
interesse de ordem pessoal interfiram no trato com o público, com os
jurisdicionados administrativos ou com colegas hierarquicamente
superiores ou inferiores;
Neste inciso o legislador contempla em sua
totalidade o assédio moral, na ascendente e descendente do plano
vertical e em sua totalidade no campo horizontal. As proibições reve¬lam
a maioria das iniqüidades praticadas pelo assediador moral contra sua
vítima.
Prevenção
Agora, há sim
como prevenir tais atos, aplicando ações mais intrínsecas e eficazes na
educação ou reeducação ética e profissional do agente público,
incuntindo-lhe o respeito aos seus pares e principalmente ao cidadão.
É certo que a virtude moral é decorrente do hábito e
não da natureza do ser humano. O exercício contumaz da virtude moral
arraigará no homem o seu espectro, posto que o hábito não modifica a
natureza. É a natureza que nos dá a capacidade de receber as virtudes, e
o hábito aperfeiçoa esta capacidade. Portanto, a prática da virtude
moral, que conduz o homem à verdadeira felicidade, não nasce com ele,
sendo construída a partir de condutas positivas reiteradas.
Ações do Gestor público
O gestor público poderá utilizar as medidas necessárias para prevenir o assédio moral, tais como:
• Planejamento e organização do trabalho;
• Levar em consideração a autodeterminação de cada servidor e
possibilitar o exercício de sua responsabili¬dade funcional e
profissional;
• Assegurar ao servidor oportunidade de contato
com os superiores hierárquicos e outros servidores, ligando tarefas
individuais de trabalho e oferecendo a ele infor¬mações sobre exigências
do serviço e resultados;
• Garantir a dignidade do servidor;
• Evitar o trabalho pouco diversificado e repetitivo, protegen¬do o servidor no caso de variação do ritmo de trabalho;
• As condições de trabalho deverão garantir ao servidor oportunidades de desenvolvimento funcional e profis¬sional no serviço;
• Desenvolvimento de ações objetivando a disseminação de normas éticas e disciplinares.
O
gestor público tem o dever de zelar por um bom am¬biente de trabalho,
coibindo e punindo casos de assédio moral. Ele não pode compactuar com
expedientes odiosos, devendo aplicar seu poder disciplinar sobre seus
subordinados, para restabelecer a ordem no ambiente de trabalho.
Ele jamais poderá deixar de observar que assédio
mo¬ral é toda ação, gesto ou palavra, praticada de forma repe¬titiva por
agente, servidor, empregado, ou qualquer pessoa que, abusando da
autoridade que lhe confere suas funções, tenha por objetivo ou efeito
atingir a auto-estima e a autode¬terminação do servidor, com danos à sua
saúde, ao ambien¬te de trabalho, ao serviço prestado ao público e ao
próprio usuário, bem como à evolução da carreira e da estabilidade
funcional do servidor.
É essencial que o gestor abstenha-se de:
•
Determinar a realização de atribuições estranhas ou de atividades
incompatíveis com o cargo que ocupa, ou em condições e prazos
inexeqüíveis;
• Designar para o exercício de funções triviais o exercente de
funções técnicas, especializadas, ou aquelas que exi¬jam treinamento e
conhecimento específicos;
• Apropriar-se do crédito de idéias, propostas, projetos ou de qualquer trabalho de outrem;
Em tempo, também é considerado assédio moral as ações, gestos e palavras que impliquem:
•
No desprezo, ignorância ou humilhação do servidor, que o isolem de seus
superiores hierárquicos e de outros servido¬res, sujeitando-os a
receber informações, atribuições, tare¬fas ou outras atividades somente
por meio de terceiros;
• Na sonegação de informações que sejam necessárias ao desempenho das funções ou úteis à vida funcional do servidor;
•
Na divulgação de rumores e comentários maliciosos, bem como na prática
de críticas reiteradas ou na subestima¬ção de esforços que atinjam a
dignidade do servidor;
• Na exposição do servidor a efeitos físicos ou mentais adversos, em prejuízo de seu desenvolvimento pessoal e profissional.
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