Mauro Petersem Domingues
Por que
reforma política?
Sabemos
que uma proposta de política, quer esta envolva regulação
determinada
área, tende a ser compreendida pelo senso comum como
decorrência
de uma necessidade da vida social que o poder público busca
satisfazer.
Ora, a literatura da Ciência Política nos alerta que as ações dos
governos
podem ser melhor entendidas se as considerarmos como motivadas
pelo
desejo dos governantes de se perpetuarem no poder que, propriamente,
por
qualquer noção de serviço ao interesse público (Downs: 1995). Apenas em
sistemas
políticos bem construídos o servir ao interesse público se torna
condição
necessária para que os governantes possam continuar a usufruir dos
benefícios
do poder, criando-se assim um círculo virtuoso. Uma reforma política
deve ser
entendida aqui como abrigando essas duas dimensões acima citadas:
uma
tentativa dos detentores do poder político de se perpetuarem no poder e
um anseio
de uma sociedade de tornar essas elites políticas servidoras de
seus
melhores interesses.
Vale
lembrar que numa sociedade marcada por grande desigualdade
socioeconômica
é pouco provável que se possa falar de interesses da
sociedade
como um todo, mas que se tenha que levar em consideração
aspectos
de classe, região, gênero, entre outros, na identificação desses
interesses.
Nesse sentido, a afirmação de uma agenda de reforma baseada
nos
interesses gerais da nação brasileira terá necessariamente de ser marcada
por uma
boa dose de generalização e, até, de idealismo. Uma reforma política
que sirva
ao povo brasileiro só poderia ser pensada, então, ou por redução,
identificando-se
os interesses do povo com este ou aquele segmento
específico,
ou por abstração, pactuando-se regras de administração dos
conflitos,
lançando um véu de ignorância sobre os conteúdos desses conflitos.
Obviamente,
como as regras – mesmo as mais abstratas – não são neutras em
seus
efeitos sobre as relações de poder entre os grupos sociais, o debate
acerca de
princípios abstratos para a organização do poder político trai os
interesses
dos grupos envolvidos nas disputas por este poder.
As
presentes propostas para a reforma política em nosso país estão
diretamente
relacionadas ao conjunto de escândalos que têm abalado nossas
DOMINGUES,
Mauro P. Para compreender a reforma política no Brasil. In: SINAIS -
Revista Eletrônica -
Ciências
Sociais. Vitória: CCHN, UFES, Edição n.02, v.1, Outubro. 2007. pp.161-189.
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instituições
representativas, em especial no nível federal de governo, quase
sempre
envolvendo denúncias de uso irregular de verbas para financiamento
de
campanhas eleitorais para a Presidência da República e para o Congresso
Nacional.
Também têm grande importância nesse contexto os escândalos
relativos
à compra de votos de Deputados Federais e outros relativos ao
funcionamento
do Congresso (migração partidária, suplentes de senadores,
etc.).
Todos esses escândalos têm servido como instrumento de luta política
entre os
partidos e facções e levado a uma crescente judicialização da política.
O efeito
disto é que hoje os parlamentares e mesmo os chefes de Executivo (e
seus
ministros e outros auxiliares) não estão seguros de exercer seus
mandatos
até o final devido à possibilidade de se verem envolvidos em algum
escândalo
e terem de responder a inquéritos parlamentares e investigações de
natureza
policial.
A
incerteza no exercício dos mandatos, por um lado, e o descrédito das
instituições,
por outro, parecem levar o tema da reforma de nosso sistema
eleitoral
para o centro da agenda política brasileira hoje. Mas, se a situação de
crise
leva os atores a se interessarem pela reforma política, suas diferenças de
interesses
impedem um acordo quanto a seu conteúdo.
Os
parlamentares, mesmo pressionados, não se mostram dispostos a aprovar
uma
reforma que ameace ainda mais suas possibilidades de carreira política.
Pelo
contrário, grande parte deles vê a reforma como um modo de tornar mais
seguro
esse futuro, reforçando sua vantagem eleitoral diante dos desafiantes
sem
mandato. A mesma lógica se aplica aos grandes partidos, que vêem na
reforma
um modo de eliminar a concorrência que sofrem de outras
agremiações
menores. Como veremos, propostas como a lista fechada, o
financiamento
público de campanha e a clausula de barreira tal como foram
apresentadas
apontam todas nesta direção.
No
entanto, a luta política continua mesmo no interior dos grandes partidos e
de suas bancadas
no Congresso. Há parlamentares que se sentem ameaçados
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