Em artigo no O POVO deste domingo (7), o psiquiatra Cleto Pontes questiona o papel dos presídios no Brasil. Confira:
Soa estranha a decisão do STF em derrubar a lei de bloqueio de celulares nos presídios. Parece surreal que isso aconteça em um país onde a violência aumenta de forma vertiginosa como causa e efeito, e a impunidade é regra que deixa o cidadão atordoado. Ares de mudanças aparecem aqui e ali, mas de repente há recuos inexplicáveis. O estado brasileiro dá sinais constantes de enfermidade com falências múltiplas, em estado terminal, funcionando às custas de aparelhos e artifícios. Falta maturidade e o improviso gera mais e mais despesas no bolso do contribuinte. A Lava Jato é uma novela realista que revela o atual quadro de vertigens em que vivemos.
I. Goffmann no seu livro Manicômios, Prisões e Conventos, definiu essas instituições como viciadas e pervertidas. O seu interesse maior na abordagem do assunto estava voltado aos hospitais psiquiátricos, com severas críticas ao tratamento dado aos doentes mentais nos EUA. O impacto de suas ideias foi tão forte que influenciou na redução drástica no número de leitos hospitalares. O resultado implicou a criação de duas categorias de loucos: os mansos que dormem nas praças e os violentos reclusos nas prisões com direito, inclusive, à pena de morte. Há muito que as prisões norte-americanas foram privatizadas.
Na década de setenta do século passado, eu acreditava piamente na possibilidade de humanizar os hospitais psiquiátricos. Goffmann, M. Foucault, D. Cooper, F. Basaglia foram importantes na crença desse meu desejo de melhoria. Infelizmente, no Brasil os hospitais nunca ultrapassaram o status de simples hospedarias, diferentemente da evolução e gestão dos hospitais clínicos. Mas a emenda do politicamente correto e direitos humanos foi pior do que o soneto. A maioria dos nossos leitos psiquiátricos foi desativada em troca de nada. Por outro lado, clínicas de recuperação para dependentes químicos proliferaram que nem tiririca. Moral da história: o número de doentes mentais praticamente foi reduzido a zero e o de drogados só aumentou, levando-nos a crer que a droga é um bom negócio na área médica também, apesar dos pesares.
Uma colega foi visitar o Fernandinho Beira-Mar no presídio de segurança máxima em Mossoró. Logo na chegada, a jovem médica teve duas surpresas: uma camioneta Pajero, zero quilômetro na porta, cuja proprietária era a advogada de plantão do Fernandinho. E a médica, a convite do Fernandinho, seria a sua psiquiatra particular… Demais estranha essa liberalidade de serviço 7 estrelas a um criminoso, quando o mesmo poderia se servir do estado, ou seja, do SUS.
Não há como entender a recente determinação do STF. Aqui fica a questão: qual é a verdadeira função social dos presídios? Com a incompetência do estado, é possível se cogitar numa privatização? Dados da Associação de Parentes e Amigos de Vítimas da Violência (Apav) constatam que, de dois mil casos acompanhados pela instituição nos últimos 16 anos, apenas seis terminaram com a prisão do autor.
Se o Alienista de Machado de Assis fosse a figura determinante no critério para se colocar alguém no presídio, rapidamente o nosso país tinha tanto mais gente do lado de dentro do que do lado de fora. O preço social é caro, haja vista o estado de insegurança que a população em geral vive no nosso Brasil brasileiro.
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