Blog Moisés Arruda - Sobral/CE/Facebook-moiseslinharesarruda : A ilha misteriosa da França.

10 de jan. de 2011

A ilha misteriosa da França.

Reportagem II 
Ambiente
A ilha misteriosa da França
Uma pequena ilha que surgiu no litoral sudoeste da França após a passagem de um ciclone, em 2009, tem movimentado cientistas e ambientalistas: ela representa a rara oportunidade de estudar como os seres vivos colonizam novas terras
Eduardo Araia
Localizada a cerca de dois quilômetros ao norte do farol, a nova ilha, composta de areia do leito oceânico e de sedimentos, atraiu rapidamente o interesse dos cientistas. À maneira de Surtsey – a ilha que surgiu em meio a erupções vulcânicas na costa da Islândia, em 1963 (ver PLANETA nº 442, págs. 26-29) –, seria possível acompanhar desde o início como a vida se desenvolveria ali. Localizada na foz de um rio de grande porte para os padrões europeus, em meio a um ambiente ainda bastante preservado e repleto de vida marinha, a ilha francesa está, além de tudo, bem na rota de migração de diversas aves, como andorinhas e pássaros limícolas (associados a áreas úmidas litorâneas).
Assim, era previsível que a ocupação não demoraria. Poucos meses depois de surgir, a ilha já havia sido colonizada por vegetação rasteira, insetos e gaivotas. “Até agora, registramos o aparecimento de 12 espécies diferentes de plantas e cerca de 30 invertebrados, dos quais cerca de um terço tem uma existência sustentável na ilha”, disse Jean-Marc Thirion, cientista ambiental que dirige o grupo local de conservação Obios.
Os invertebrados ali residentes se alimentam dos rejeitos de gaivotas marinhas e de minúsculas moscas que, por sua vez, encontram alimento em aglomerações de eruca-marinha (tipo de planta comum no litoral europeu). Além desses animais, Thirion já achou ali aranhas (segundo ele, levadas pelo vento) e formigas (provavelmente transportadas por destroços).
Em fevereiro deste ano, a região foi atingida por um ciclone ainda mais devastador que o Klaus, o Xynthia. Para surpresa geral – em especial dos céticos, para quem a ilha é apenas um banco de areia –, o novo pedaço de terra resistiu às gigantescas ondas, às marés excepcionalmente altas e aos ventos acima de 200 km/h. Depois que o tempo acalmou, descobriu-se que a ilha perdera parte de sua elevação, mas aumentara 50 metros na direção leste. A tendência para os próximos meses, aliás, é de consolidação do novo acidente geográfico. Analisando o vaivém das correntes marinhas e a erosão costeira, geólogos e naturalistas apostam que a ilha provavelmente vai crescer, em vez de desaparecer.
O repórter John Lichfield, do jornal inglês The Independent, visitou o novo pedaço de terra em agosto e considerou-o “mágico”. É, na descrição dele, “uma praia ainda intacta totalmente cercada pelo mar. Há um quase perfeito círculo de areia seca assentada, talvez a 500 metros ao redor, cheio de algas e pedaços de madeira. Braços de areia mais plana e úmida se estendem a distância, feito uma lagosta”.
De acordo com Bernard Giraud, assistente do prefeito de Royan e que também chefia o Departamento de Meio Ambiente do município, existe na região uma antiga lenda sobre ilhas que flutuavam, apareciam e desapareciam. “É como se essa ilha houvesse tornado a lenda viva”, comentou. “Ninguém pode dizer quanto tempo ela irá durar, mas há toda a indicação de que ela está aqui para ficar.”

Pierre Andrieu/AFP
A ilha em foto aérea batida em junho de 2010. A vegetação, destruída em fevereiro pelo ciclone Xynthia, ainda não retornou ao local.


A natureza tem preservado a Ilha Misteriosa, mas ela ainda não está a salvo do maior exterminador do presente, o bicho-homem. Como ainda não é reconhecida oficialmente pelo governo francês, ela não figura nos mapas e não pode ser protegida das crescentes levas de turistas que chegam até lá em botes, num percurso de 20 minutos a partir de Royan. Em sua curta existência, a ilha já serviu de cenário para duas festas rave e de pista de pouso para um clube de paraquedismo.
Segundo Giraud, o clima ruim em junho deste ano impossibilitou os passeios à ilha, o que permitiu que as aves fizessem ninhos. Em julho, porém, o tempo melhorou, trazendo de volta os turistas de um dia – e, com isso, os ninhos foram abandonados. A vegetação, habitualmente pisoteada pelos visitantes, foi varrida pelo Xynthia e ainda não voltou. Thirion assinala que já houve ocasiões em que cerca de 200 pessoas ocupavam o novo pedaço de terra.
Giraud, assim como outros ambientalistas, sente-se incomodado com isso. Para ele, a ilha deveria servir, ao menos parcialmente, como um “laboratório da vida”, fornecendo subsídios para os cientistas estudarem como e com que velocidade os seres vivos colonizam uma nova terra.
A expectativa dos ambientalistas é de que, em 2011, o estuário do Gironde, um dos mais importantes e preservados da Europa, se torne parte de um parque marinho protegido pelo governo francês – e, por tabela, ajude a conservar a novidade. “Você não pode banir totalmente as pessoas da ilha”, avalia Giraud. “Isso não funcionaria, certamente não na França. Mas podemos, dentro do formato de um novo parque marinho, limitar o número e a natureza das visitas. Podemos educar as pessoas e fazê-las entender que lugar especial e frágil é esse.” Thirion faz coro: “Nossa única esperança agora é de que (a ilha) seja mapeada e reconhecida dentro da zona de proteção.”

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